Retrato da Mestiça é resultado da pesquisa do meu TCC do curso de bacharelado em Artes Visuais, onde busco discutir questões de gênero e identidade racial, propondo o autorretrato como ferramenta possível que através da imagem proporciona reconhecimento. Este trabalho é composto por dois lambes, intitulados Retrato da Mestiça I e Retrato da Mestiça II.



Voltar a pag.
inicial
Retrato da Mestiça II
O segundo lambe se utilizou das linguagens da pintura, e performance para fotografia.
Assim como o Teste da sombra sobre a lanterna (que compõe Retrato da Mestiça I) surgiu nos processos de pesquisa de imagens durante a construção do memorial. A imagem surgiu pela primeira vez como uma brincadeira, se mostrou tão potente que se tornou uma ideia para ser executada.
A profundidade e a superficialidade; as camadas; a dor; o banheiro: elementos trazidos durante a escrita dos textos que compõem o memorial.
O autorretrato escolhido para formar a composição é um retrato feio -triste-, que sugere um rosto inchado. Contraria a ideia imediata de vaidade que se pensa sobre a autoimagem, afinal não nasce para ser belo. Coloca esse corpo num lugar de fragilidade e verdade.
Posiciono a pintura de um autorretrato na frente do meu rosto, o rosto ainda está ali, porém sem aparecer. Enquanto é coberto pelo retrato, é descoberto pela ideia do retrato. Formando assim uma imagem que mistura o já existente com o criado, a criadora e a criação, a criadora que é criatura, e por ser criatura pensa sobre ser criatura. Esse momento de transforma em uma cena, uma performance. O registro nasce. O retrato é realizado em várias camadas, ora é fotografia, ora é pintura, ora é os dois.
Uma verdade é apresentada através da nudez. Estando eu despida diante de mim, vendo-me sem quaisquer artifícios. A pintura potencializa essa nudez, uma vez que não há necessidade de esconder a tristeza.

O poste
O poste, um daqueles muito altos, que se impõe no meio da Av. João Paulo II em um canteiro gramado. Estranhamente situado na direção da minha antiga casa, foi, assim como a própria estrada, levantado sobre uma área de preservação ambiental. Por ser considerado área de preservação ambiental, desse lugar foram despejados vários moradores. Parece que quilômetros de desmatamento, fluxo contínuo de passantes pedestres e automóveis, poluição ambiental e sonora são menos nocivos à natureza que algumas famílias.
Esse trecho novo da Avenida que passa atrás do meu bairro, e por cima da casa onde morei na infância, é chamada pelos moradores locais de Pistão. A primeira vez que fui ao Pistão, antes que fosse aberta para o tráfego, me emocionei ao me deparar com o tal poste. Talvez eu esteja alguns metros enganada, mas acredito que ele foi erguido onde antes havia a casa da minha família.
Essa casa era localizada bem em frente a mata, onde terminava nosso terreno começava a floresta. Brincávamos aos montes de moleques naquele lugar, criávamos casinha nas árvores, íamos à Cacimba, a um ônibus escolar abandonado lá na parte que pertencia a uma empresa. Em nossa casa entravam cobras, aranhas, pássaros, macacos, até um bicho preguiça certa vez apareceu por lá. Por mais que o contato com alguns desses animais possa representar perigo, em minha visão de criança eram sempre aventuras.
A mudança foi bastante dolorida, para quem se divertia na mata, ir morar em uma casa que é limitada por muros era completamente desproposital. Foi uma forma de não deixar pertencer a um lugar de afeto. Mas, mesmo que temporariamente, arrumei uma forma de me fixar sobre aquele lugar. Sobre o poste colei o lambe Retrato da Mestiça II que tem quase tamanho real.
Além de minhas questões afetivas com o lugar, também o escolhi por haver naquela área presença constante de pessoas, seja caminhando, praticando exercícios na academia ao ar livre (localizada na praça do Bode, curva da morte), além de ciclistas e automóveis.
A colagem iniciou às de 6h, sob a luz do nascer do sol, aos 21 de junho de 2019.

Retrato da Mestiça I
Espalhamento da imagem do meu rosto de perfil através de colagem digital que junta fotografia, bordado e pintura. Essa imagem trata de encontro e reconhecimento.
Esse rosto que diversas vezes e de diversas formas foi renegado, é imposto geograficamente através do lambe. Como se, através desse lambe, eu cobrasse uma reparação.
Pensando nesse encontro comigo, me utilizando de imagens que pontuaram minha caminhada. Esse encontro se forma a partir de duas imagens do meu rosto que se olham e são intermediadas pela imagem nua do meu corpo. Eu, mulher mestiça, nua, vou ao meu encontro, segurando apenas o que me pertence. Uma composição formada por imagens trazidas pelo memorial: Teste de sombra sobre a lanterna, Bordado segurando útero e Autorretrato cru (consecutivamente da esquerda para direita).
Seis lambes foram impressos, recortados e colados na Guanabara, bairro onde moro desde o nascimento. A Guanabara é um lugar importante para a construção das minhas subjetividades. Possuo um sentimento forte de renegação por ele, por ter sido um dos lugares onde sofri diversos tipos de violência por ser mulher e mestiça.
Duas versões foram feitas, uma com mais e outra com menos fragmentos coloridos. Na versão de lambe, aparece um QRcode no lugar do rosto de uma das figuras (que direciona para esta página web). Aqui dentro da página essa figura do rosto é mostrada.